Quando a violência beira o absurdo

Caio Vinicius
4 min readNov 1, 2023

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Takeshi Kitano em um dos seus filmes mais sensíveis

Sonatine (1993)

Quando descobri Takeshi Kitano, vi que era alguém especial. Foi um comediante que nos anos 80, apresentou um programa chamado Takeshi’s Castle. Era uma personalidade no Japão graças a seu reality show, e veio chocar o público quando lançou Violent Cop em 1989. Um filme sobre um policial violento, que é mais violento do que as pessoas que ele mesmo tenta combater. O filme mostra um Japão cinza, melancólico e sem esperança. Kitano interpreta Azuma, um detetive quieto e extremamente violento que usa métodos nada ortodoxos para combater criminosos. Depois do suicídio de seu amigo Iwaki (um policial envolvido com drogas), e do sequestro de sua irmã por membros da Yakuza, o personagem de Kitano quebra todas as regras de conduta abusando da violência para obter resultados. Esse é o primeiro filme da sua trilogia da máfia, que mostra Kitano em uma caracterização fria, inconsequente e nada coreografada. A violência em Violent Cop é crua. A estética do diretor é direta e não procura enaltecer seus momentos de raiva e crueldade, que o personagem principal emprega para combater os membros da yakuza nesse Japão decadente, que entraria em um período de crise econômica nos anos 90. O segundo filme é Boiling Point (1990), sobre um jovem indolente e desatento que faz parte de um time de beisebol local perdedor , cujo treinador é ameaçado e atacado por um yakuza local . Ele se junta a um amigo para ir a Okinawa comprar armas para se vingar. Um membro psicótico da yakuza chamado Uehara faz amizade com eles quando chegam a Okinawa. Uehara tem o seu próprio plano de vingança e, à medida que a história avança, os dois rapazes entram ainda mais na sua órbita, com resultados perturbadores. E o terceiro filme, que se mostrou muito diferente dos dois anteriores, mesmo que ainda esteja presente o estilo de Kitano, aquela câmera que passeia sobre a história de forma totalmente passiva, planos longos, fechados, estáticos, mostrando os personagens de forma crua, em uma espécie de regressão. Sonatine (1993) é sobre Murakawa, um chefe de um subgrupo de yakuzas que recebe a missão de ir para Okinawa em uma suposta missão para estabelecer a paz entre dois clãs yakuza que estão em embate. O personagem, logo de cara, com suas expressões desprovidas de sentido, que parecem sempre demonstrar que Murakawa está consciente da violência que o cerca, percebe que não vai ser uma simples missão de paz, e que um banho de sangue o espera. Depois de alguns membros de seu grupo serem atacados, os personagens vão ficar perto da praia, em uma casa isolada. Na praia, Murakawa e seus homens fazem jogos, brincam, mas sempre com uma violência e falta de sentido pairando pelo ar, como se os personagens nunca fossem ter uma redenção. Eles não são pessoas boas. Mas o filme não olha com um tom moralista para o personagem de Kitano nem para a violência performática e cômica que acontece. Murakawa é vazio. Com uma interpretação minimalista que nos faz mergulhar naquele mundo, Takeshi mostra um personagem que não vê diferença entre a tortura e cavar buracos para pregar pegadinhas em seus amigos de grupo. O título no Brasil está como “Adrenalina Máxima”, e quando observamos esse nome, é muito interessante porque a violência e adrenalina se mantém presente, mas nunca de forma convencional. Takeshi Kitano mostra uma violência que explode fora da câmera. Desafiando os olhos do espectador que pede e clama por violência. Que ele deseja e acha que está lá desde o primeiro segundo que dá play nesse filme. Murakawa sabe que seu fim está próximo, e não tem mais oque fazer a respeito.

A segunda parte do filme me parece mais um romance, que tenta expressar um lado do personagem de Kitano que quer se desvencilhar da violência ao seu redor, mas que ao mesmo tempo, mostra que ela faz parte do personagem. Está dentro do seu âmago, das suas entranhas e dos seus traumas. Murakawa aceita seu destino. É um homem que sabe que não é forte e corajoso, porque se fosse, não andaria armado. Atira em tudo porque se assusta facilmente. No último tiroteio do filme, que é mostrado de longe, podemos observar que a violência que segue o filme vai estar sempre rondando, independente se o espectador tiver ciente dela e presenciar de camarote. A última parte do filme, que mostra a garota que Kitano conhece em Okinawa andando na estrada, indo a caminho do carro de Murakawa, que parou, aceitando seu destino e colocando uma bala na sua têmpora, não por uma falta de sentido ou puro niilismo, mesmo que o filme carregue esse tom absurdo que a violência as vezes é mostrada de forma até surrealista, com seus planos e fotografia que entorpecem o espectador, mas por uma sobrecarga desses sentidos em sua volta. Não tem como correr de um destino que foi feito para ele. Mesmo que todos tentassem brincar e se divertir, tirar aquela violência e momentos sangrentos que está no cerne dos personagens, nunca vai ser uma tarefa fácil. Tudo parece perdido, mas ainda há esperança. Kitano deixa essa mesma esperança para o par romântico de seu personagem, que vai esperar por ele, mesmo que esse dia não chegue. É a nossa sina. Esperar por uma felicidade que se chegar, vai se desmanchar entre nossos dedos como as areias do tempo. Ótimo filme. Talvez meu preferido do diretor.

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