O Show de Truman, Capitalismo e o Mito da Caverna

Caio Vinicius
5 min readOct 2, 2023

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Onde a publicidade manipula a realidade e extingue as subjetividades

Como não falar sobre esse filme aqui? Simplesmente um dos meus filmes preferidos e mais influentes da minha vida. Uma obra prima que conversa sobre realidades adaptadas e comandadas pela publicidade para nos manter ocupados e fazer a gente não questionar nada. O Show de Truman, de Peter Weir, não poderia ser tão real. O filme retrata a vida de Truman, interpretado brilhantemente por Jim Carrey (um dos seus melhores papéis), morando em uma ilha chamada Seahaven e que acha que está vivendo sua rotina normalmente, mas alguns acontecimentos acabam revelando que na verdade, sua vida é um reality show transmitido há mais de 30 anos, 24 horas por dia, para milhares e milhares de pessoas. Inúmeros acontecimentos estranhos começam para Truman dar o primeiro passo para contestar sua realidade. O primeiro deles é um equipamento de luz que cai do céu. Daquele set gigantesco e artificial que constrói a vida de Truman, e logo mais adiante, ele acaba vendo seu falecido pai andando normalmente na rua. Seu pai “morreu” afogado quando Truman ainda era criança, mas oque ele nunca suspeitou, é que a morte simulada de seu pai foi algo pensado por Christof, o idealizador do programa, que simulou a morte do pai de Truman para causar um trauma no menino para ele nunca nem cogitar em desbravar aquele mar artifical em busca da verdade. Mesmo antes desses acontecimentos, Truman conhece uma mulher que revela para ele que sua vida está sendo controlada. Que tudo não passa de uma mentira. Porém, em determinado momento, o suposto pai da menina aparece, leva ela para longe, dizendo que eles vão para Fiji, um lugar no outro do mundo, e alega que a garota é esquizofrênica. O show de Truman saiu um ano antes de um dos reality shows mais famosos do mundo, o Big Brother, e o diretor Peter Weir não deve ter imaginado como o filme dele ia prever de forma tão certeira ansiedades e normalidades que acontecem até hoje no nosso cotidiano, como as redes sociais, que fazem as pessoas deixarem uma boa parte da sua vida privada no campo do público, além das publicidades, que são parte crucial do filme O Show de Truman, já que o show não tem pausas, porém, tudo no filme é comercializado, desde roupas, comida, acessórios, tudo!

Meryl Burbank interpretada por Laura Linney

Por que você não me deixa preparar um pouco dessa nova bebida Mococoa? Todos os grãos de cacau naturais das encostas superiores do Monte Nicarágua. Sem adoçantes artificiais.”

A publicidade e a venda de produtos é algo constante no universo de O Show de Truman. E isso não poderia ser mais similar a nossa realidade. Onde produtos são vendidos a rodo por influenciadores em redes sociais, que tentam atrelar esses produtos a sua vida cotidiana. Tornando as relações impessoais, simuladas, em busca do lucro e da massificação da mensagem de marketing. O filme é incrível em todos os pontos que toca. Truman foi o primeiro bebê a ser adotado por uma corporação, e o idealizador Christof, acha que tem o direito de manipular a realidade de Truman para tornar ele em uma espécie de astro da tv, que vai ter suas ações monitoradas 24 horas por dia. Eu não sou um fã de reality shows, mesmo consumindo algumas coisas, porque ainda sou humano como todo mundo, mas a ética nos reality shows é algo que precisa ser debatido. Coisas que são normalizadas e que fazem o público entrar em um estado quase de transe quando acompanha a vida de outra pessoa pela tv. De onde vem essa nossa necessidade de expor e ver a exposição da vida da outra pessoa? O Show de Truman discute essa necessidade de exposição, antes de toda essa moda de realitys tomar conta da mídia e do consumo das pessoas que estão sendo procurando entretenimento raso (eu me incluo. Adoro vários realitys). O filme faz parte de uma gama de filmes que saíram no final dos anos 90 que criticam o american way of life. Clube da luta e Beleza Americana são alguns dos exemplos. Não é atoa que O Show de Truman, mesmo saindo em 1998, tem uma ambientação de figurino e publicidade que remete muito aos anos 50, auge da disseminação do american way of life, do impulso publicitário e época que as televisões invadiram os lares dos estadunidenses.

O final do Show de Truman, ao mesmo tempo que não é necessariamente otimista, é maravilhoso. Uma pequena brecha que o filme dá que o protagonista finalmente vai se soltar das amarras de mundo criadas por Christof (que tinha controle até das mudanças climáticas na trama), e escrever sua própria história, sair da sua caverna e esquecer as sombras projetadas na parede oposta. Truman sobe uma escada, que foi inspirada em uma obra de Magritte, conversa com Christof, que diz para o rapaz responder, que ele está na televisão, e Truman se despede da audiência, entrando em uma abertura sem luz, porém, que vai lhe dar a oportunidade de iluminar seu próprio caminho. Enxergar oque tem depois da caverna é díficil, mas aceitar uma simulação como realidade é ainda mais doloroso. Oque é real e oque é simulado? o Show de Truman é mais real do que nunca nessa sociedade comandada por algoritmos que ditam o ritmo e pelas mídias sociais impessoais que acabam por nos distanciar e fomentar o consumo exacerbado de coisas que não precisamos. Liberdade não é consumir, liberdade é ditar nossa própria história, assim como Truman depois que atravessa a escuridão. A luz da caverna machuca os olhos, mas ilumina a alma.

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