A violência poética de Scorsese em Os Bons Companheiros (1990)

Caio Vinicius
4 min readOct 16, 2023

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i always wanted to be a gangster.

Martin Scorsese é visceral. Sempre foi. Desde “Mean Streets”, um filme sobre a máfia nas ruas com uma estética menos polida e luxuosa do que o filme que irei abordar aqui no texto, já era uma prova que ele era um exímio contador de histórias, mesmo “Mean Streets” não sendo o seu primeiro filme, mas foi uma de suas obras que abriu caminho para ele fazer o tão aclamado Táxi Driver, além de ter sido o filme que apresentou ao mundo Robert De Niro, como o explosivo, complexo e caricato Johnny Boy. Scorsese sempre é lembrado por abordar violência em seus filmes, de uma forma lírica e que é conivente com a narrativa que ele escolhe abordar, mas nunca é uma violência só pela violência. É uma violência regrada de simbolismos, lirismo, performance, background e parte crucial pro storytelling e representação de seus personagens. Óbvio que o diretor não fez só filmes de máfia, mesmo as pessoas querendo colocar ele como um diretor de gênero único. Já fez epopeia religiosa em “A Última Tentação de Cristo”, onde faz uma leitura humanista e crua de Jesus Cristo que ganhou uma interpretação incrível pela parte do Willem Dafoe, já fez sobre história em “O Aviador”, comédia em “After Hours” e fantasia em “A Invenção de Hugo Cabret”. Mas quero abordar aqui sua obra prima, na minha opinião, que não só vai sobreviver ao tempo para sempre, como vai estar no topo da lista dos melhores filmes de gangsters de todos os tempos. O maravilhoso “Os Bons Companheiros” de 1990.

O filme segue Henry Hill, que durante sua infância, sempre admirou aqueles gangsters que via no seu bairro, sempre almejando ser um deles. O filme começa com Jimmy Conway (Robert De Niro), Tommy DeVito (Joe Pesci) e Henry Hill (Ray Liotta) em um carro, enquanto Henry avança na sua aventura pessoal de se tornar um membro da máfia. O filme é regrado de violência, uma trilha sonora incrível que só podia ser escolhida pelo ouvido maravilhoso do diretor, que tem um histórico de adicionar músicas de todos os possíveis gêneros, mas principalmente música pop na composição de seus filmes. A gente vai vendo Henry Hill subindo no mundo do crime com sua “família” de mafiosos, que no final, vai se romper e o personagem principal, que não queria ser mais um, não queria ser um ninguém, vai se encontrar muito pior do que começou, e ainda mais rotulado como um “rato”, um delator, bandeira horrível de carregar no submundo do crime. Scorsese retrata os crimes da família dos mafiosos de forma magistral, claro que isso se deve também do diretor ter crescido na Little Italy em Nova Iorque nos anos quarenta, um lugar conhecido pelas famílias Ítalo-Americanas, e claro, pela máfia. Os mafiosos retratados em Os Bons Companheiros ganham uma aura quase mítica quando o personagem de Henry Hill vai falar do currículo deles em voice over, exemplo de quando vai se referir ao personagem de De Niro, por exemplo, colocando ele como um mafioso em ascensão que se saiu bem com a vida do crime desde pequeno, algo que o próprio Henry também sempre almejou. A fotografia do filme é impecável e a violência é presente sempre, não de uma forma vazia, mas como algo poético, artístico, crucial para a trama. Nunca é colocada de forma limpa ou romantizada, mas sempre de forma bárbara e escandalosa, que junto com a direção de fotografia, trilha sonora e figurino, além do elenco maravilhoso em tela, faz o filme uma carta de amor para os amantes do neo noir, algo que o Scorsese sabe fazer com maestria. Os filmes noir dos anos 30 e 40, tinham um ar melancólico, frio e obscuro. O filme noir é derivado dos romances de suspense da época da Grande Depressão (muitos filmes noir foram adaptados de romances policiais do período), então retratavam personagens melancólicos impactados pelo contexto econômico norte americano da época. O neo noir, é um subgênero que veio muito depois dos filmes noir, mas que ainda carregavam características do gênero. Em “Os Bons Companheiros”, assistimos personagens bárbaros, totalmente indiferentes com a violência reproduzida por eles próprios, mas que ainda pareciam ter uma espécie de pertencimento e coletividade na vida do crime, algo que o diretor subverte no final, com Henry delatando sua família de mafiosos para não ter que pagar com a vida.

Scorsese é simplesmente um dos maiores e melhores diretores vivos de todos os tempos. “Os Bons Companheiros” é uma joia rara do cinema que é uma aula de narrativa visual para os amantes de filmes em geral. Simplesmente um dos meus filmes preferidos, que fica rico a cada vez que pego para rever. Regrado de violência, o filme busca retratar de forma crua e artística a máfia italiana, passando por seus dilemas de família, território e lealdade, mesmo que no final, muito disso não venha a importar. Scorsese volta para as telas do cinema dia 20 de outubro de 2023 com seu novo filme “Killers Of The Flower Moon”, que vai retratar os assassinatos da nação Osage e o surgimento do FBI. Que venha mais histórias de Martin Scorsese para deixar o cinema com uma qualidade incrível. O homem sempre vai ter histórias para contar e eu vou estar sempre na frente da TV para assistir. Esse véio é maravilhoso.

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